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presente

Papel e caneta nas mãos: cartas escritas. Toques nas teclas do computador: e-mails enviados. Durante 10 anos, a história da jovem libanesa percorreu centenas de embaixadas, até encontrar a definição para a sua condição de apatridia.

Um, dois, três, quatro, cinco... pedidos negados. “Onde vou colocar o seu visto?”, justificavam. Maha desanimou, mas Souad renovou as esperanças. Com uma única tentativa da irmã mais velha, a notícia positiva chegou da embaixada do Brasil: os irmãos desembarcariam no país em 2014.

 

“Meus pais nunca apoiaram... acho que por medo da gente não conseguir. Fiquei surpresa quando conseguimos e o meu pai falou: ‘Eu pago seu passagem’. Eu falei ‘Ué? Paga minha passagem?’. Hoje eles apoiam e muito!"

 

Sonho grande, preço maior. Para sair do Líbano, cada irmão teve que pagar uma multa referente a todos os anos vividos no país; apenas por serem considerados brasileiros que moravam ilegalmente, sem passaporte e visto.

 

São Paulo, Brasil, 19 de setembro de 2014 — Maha e o irmão Edward pisavam pela primeira vez em terras brasileiras. Souad, a mais velha, já estava em Belo Horizonte desde maio.

 

“Eu lembro que saí do aeroporto e achei dois reais no chão. Dois reais! Eu sempre acho! Achei lá, achei na Serra do Cipó, achei num restaurante.... estávamos sentados, eu falei ‘uai, vamos fazer um tour para ver o lugar’, e achei dois reais de novo!”

 

A sorte parecia presente. Diferente de muitos refugiados e apátridas que chegam ao país e procuram um lar ou um abrigo por conta própria, os irmãos foram recebidos na casa de uma família católica brasileira.

Mesmo com o Brasil sendo exemplo para o tema, a distinção entre apatridia e refúgio ainda provoca confusão quanto aos procedimentos e os dados de registro no país.

"Cada amigo representa um mundo em nós, um mundo possivelmente não nasce até que eles chegam, e é somente por este encontro que um novo mundo nasce."

Autora francesa,

Anaïs Nin.

  • REGISTROS ATIVOS DE APÁTRIDAS
    POR ESTADO BRASILEIRO
     

       Fonte: Ministério da                    Justiça (2016), dados                    extraídos do Registro                  Nacional de estrangeiros            (DPF/MJC).

Entrada no Brasil:

         Como Era          x       Como Ficou

até 23 de novembro de 2017, todo o apátrida que chegava ao Brasil tinha o direito à proteção como refugiado pela Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 — uma vez que se tem a negação da cidadania por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas. Porém, não existiam mecanismos eficientes para o processo de nacionalização e naturalização dos apátridas na legislação brasileira.

com a nova Lei de Migração, nº 13.445, em vigor desde 24 de novembro de 2017, os procedimentos de entrada serão os mesmos, exceto pelo fato da concessão do visto humanitário favorável agora para apátridas, e a implantação de novos procedimentos, ainda em elaboração, para o reconhecimento da condição de apátrida. O que facilitará o andamento do pedido de nacionalização ou naturalização no Brasil, por meio do órgão competente do Poder Executivo, nos termos do Capítulo VI.

A trajetória dos irmãos foi ao encontro da realidade de Belo Horizonte. Cidade capital, construída com o esforço de muitos brasileiros e imigrantes.

“A miscigenação do povo brasileiro é uma característica que minimiza a sensação de ‘estrangeiro’ para os refugiados e os apátridas”, comenta a terapeuta Eliane Pereira de Camargo, sobre o ponto positivo do país.

Contudo, para acolher é preciso se comunicar e ouvir as histórias. Segundo dados do relatório Migrantes, Apátridas e Refugiados: subsídios para o aperfeiçoamento de acesso a serviços, direitos e políticas públicas no Brasil (2015), do Governo Federal, a principal dificuldade enfrentada por estrangeiros é o idioma (21,74%).

 

Como porta de entrada, o idioma serve de base para a inserção em uma nova sociedade e proporciona o acesso ao trabalho. Por exemplo, conforme explica o professor Luis Antonio Bittar Venturi, idealizador, coordenador e professor do projeto vinculado à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU) da USP, com cursos gratuitos de Português e Português com conteúdo de Geografia do Brasil.

“Eles têm muita dificuldade nos numerosos tempos verbais, que em português são usados coloquialmente, diferentemente do árabe, que tem bem poucos tempos verbais.”

 

Com pouco tempo no Brasil, Maha — que fala árabe, inglês e francês — e os irmãos só saíam de casa acompanhados pela família mineira. Até que a vinda da amiga Nicole ao país fez Maha sentir na pele que precisava se “virar” sozinha no idioma.

16,84%

14,21%

10,53%

9,47%

5,26%

4,74%

3,16%

1,58%

20,52%

Acesso a Serviços

documentação

MORADIA

TRABALHO

informação

SAÚDE

Discriminação

Financeiras

subsistência

Educação

outros

idioma

21,74%

"Foi a mudança da minha vida, sabe? Quando a Nicole chegou, nós ficamos uns dias sozinhas, viajando para o Rio de Janeiro e Jericoacoara. Foi uma mudança bem grande! Comecei a descobrir que eu estava falando português, conseguindo me comunicar, falar o que eu queria, e traduzir para ela o que estava acontecendo. Porque eu achei que não estava adaptada, mas foi quando eu vi que estava muito preparada!"

Primeiro passo dado, chegavam então as responsabilidades para conseguir o próprio sustento. Maha, mais uma vez, passou por diversos empregos: professora de idiomas, panfleteira de supermercado, vendedora em loja de vinhos franceses, e na área de comércio exterior.

Para a supervisora de atendimento Thaís Alcantara, do Posto de Atendimento ao Trabalhador (PAT), do Centro de Integração da Cidadania (CIC) do Imigrante, em São Paulo, ainda existem dificuldades dos refugiados e apátridas em “compreender o nosso mercado de trabalho, a competitividade — com tantas exigências no currículo —, a preferência por candidatos com carteira de trabalho assinada, entre outros”.

 

Além do apoio da família Fagundes, os irmãos precisavam de acesso aos serviços públicos — antes negados no Líbano, mesmo em casos de emergência.

 

“Estava no Parque da Pampulha, em Belo Horizonte, quando tive a última crise de urticária. Fui levada ao hospital, eles me atenderam e depois perguntaram pelo meu documento. Muito diferente do Líbano, onde não me atendiam...”

Mas, segundo Elaine da Silva, do eixo saúde no Missão Paz, em São Paulo, a realidade dos agendamentos de consultas, no Sistema Único de Saúde (SUS), vale para apátridas, refugiados, imigrantes e brasileiros. “É um incômodo com a demora de alguns atendimentos de especialidades e cirurgias”.

“É preciso atuar na promoção do acolhimento, assegurando que os direitos dos refugiados e apátridas sejam respeitados; além de criar condições para que eles possam reconstruir a vida no Brasil de forma digna”,

Aline Thuller, coordenadora geral no Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio (PARES), Cáritas Rio de Janeiro.

“Espero ter um passaporte brasileiro para viajar e visitar a minha família. Eu sinto muita falta deles”.

Ahmad Hosien

Linha do Tempo 2007 - 2017

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